#6 A história do futebol esteve aqui
O inesquecível recinto desportivo do Académico Futebol Clube e "una visión romántica y nostálgica del fútbol humilde", pela lente de Aurora Gaubert
Football history was here. Apesar da sua dimensão, a inscrição pode muito bem passar despercebida aos que com ela se cruzam na Rua da Alegria, no Porto, bem perto do Marquês. Foi o que quase aconteceu comigo, quando por mero acaso a avistei em 2021. Depois de algumas pesquisas online percebi que a frase tinha sido gravada naquilo que restava de uma das bancadas do antigo Estádio do Lima, um complexo desportivo único na Península Ibérica, uma “espécie de catedral do desporto português", como conta o historiador Hélder Pacheco, num artigo do jornal Público, em 2011.
Propriedade do Académico Futebol Clube - fundado a 15 de Setembro de 1911 por um grupo de estudantes do Liceu Alexandre Herculano e considerado o clube mais eclético (e elitista) da cidade do Porto -, o Estádio do Lima destacava-se pela sua grandiosidade: nos seus terrenos existiam quadras de ténis, um campo de futebol, uma pista de atletismo (à época chamado sport athletics) e um velódromo, que era palco de provas de automobilismo e que chegou a acolher a Volta a Portugal em Bicicleta, tendo sido nele que começaram e terminaram várias edições da prova.


Inaugurado em 1924, o Estádio do Lima fica ainda para a história por ter acolhido o primeiro jogo nocturno em Portugal, “em que a bola foi pintada de branco mas perdeu a tinta com o decorrer da partida.” Quem nos conta este episódio caricato é Sérgio Pires, num artigo que escreveu no site MaisFutebol, acrescentando que foi no Estádio do Lima que, em janeiro de 1935, se deu “o pontapé de saída da primeira jornada do primeiro campeonato nacional, num Académico-União Lisboa (que em 1942 se fundiria com o Caracavelinhos para fundar o Atlético Clube de Portugal)”.
O Estádio do Lima é também exemplo quando se fala em campos relvados. Foi neste recinto que, em 1937, se instalou o primeiro relvado do país, embora não exista consenso relativamente a este assunto e alguns defendam que este título é disputado com o antigo Campo das Salésias, em Lisboa, recinto mítico do Belenenses. Independentemente desta discussão, certo é que, a partir do momento em que passa a contar com um campo relvado, o Estádio do Lima começa a acolher vários jogos da Selecção Portuguesa de Futebol.
O Académico foi ainda um dos primeiros clubes portugueses a apostar em modalidades como o hóquei em campo e o hóquei em patins (tinha inclusivamente um ringue) e contava com equipas no andebol, voleibol, pólo aquático, badminton, natação e cricket. Chegou até a ter um parque de campismo.
Na década de 40, entra em cena o FC Porto, então à procura de alternativas ao Campo da Constituição, que se mostrava pequeno para acolher a enorme quantidade de adeptos que afluíam ao estádio nos dias de jogo com os “grandes” de Lisboa.
Por empréstimo do Académico, o Estádio do Lima passa a ser palco das partidas que opunham os Dragões ao Benfica e ao Sporting, o mesmo acontecendo com o saudoso Campo do Amial, propriedade do Sport Progresso.1 No entanto, um desentendimento com este último acaba por levar o FC Porto a optar exclusivamente pelo Estádio do Lima, nele disputando jogos importantes, com destaque para um clássico com o Sporting, em 1947, que foi cenário do filme "O Leão da Estrela".
É também no Estádio do Lima que, um ano depois, o FC Porto bate o Arsenal (então considerada a melhor equipa do mundo), num amigável que ficou para a história:
"Um estádio atónito e em delírio via o F.C.Porto a ganhar ao Arsenal por 3-0 ainda não havia meia hora de jogo. O Arsenal ainda conseguiu marcar dois golos, mas já não teve força para inverter o marcador. A vitória foi mais saborosa porque dias antes o Arsenal tinha 'aviado' o Benfica com um concludente 4-0. Também por isso teve tanto significado que ainda hoje esta Taça é a mais emblemática, e mais 'pesada' de sempre. São 300 quilos em peso bruto, 130 só em prata, e foi entregue à Direcção quase ano e meio depois dessa grande vitória. Tempo suficiente para angariar fundos e construir uma autêntica obra de arte que assinala uma das mais espectaculares vitórias do F.C.Porto e do futebol português." Memória Azul, “Vitória sobre o Arsenal”
A partir do final da década de 50 e inícios da década de 60, o Académico entra em declínio. A crise no clube começava a anunciar o pior.
Na época 1971/72, o apito soa pela última vez no Estádio do Lima, então cedido ao Boavista. Nessa mesma altura, o Académico perde o seu estádio em tribunal e a Santa Casa da Misericórdia do Porto, proprietária dos terrenos, ordena a sua demolição, em 1972. Até aos dias de hoje, o terreno permanece como um enorme baldio entre as ruas da Alegria e de Costa Cabral.
Vale (muito) a pena seguir
Dias de Fútbol
É a partir de Espanha, mais concretamente de Alicante, que a Aurora Gaubert nos traz “una visión romántica y nostálgica del fútbol humilde buscando esos campos donde nacen los sueños”. O meu primeiro contacto com as fotografias da Aurora aconteceu quando me cruzei com um artigo que ela escreveu para o Terrace Edition e fiquei fascinada com a sua história: como mãe de um miúdo guarda-redes, a Aurora acompanhou o filho durante muitos anos, altura em que visitou vários campos de clubes mais pequenos, de escalões mais baixos do futebol. Foi precisamente a esses recintos do futebol humilde, como a própria lhes chama, que a Aurora decidiu voltar vários anos depois. Desde 2022 que, através da fotografia, o Dias de Fútbol procura homenagear os locais que fazem parte da sua história e do percurso do seu filho.



A este respeito aconselho a leitura de uma publicação do blogue Porto, de Agostinho Ribeiro da Costa aos Nossos Dias, sobre as origens do futebol na cidade do Porto, disponível em https://portoarc.blogspot.com/2016/05/as-origens-do-futebol-na-cidade-do.html