#4 A Tapadinha
A história e origens do clube de Alcântara, o enorme Germano de Figueiredo, a minha ida a Lisboa e um projecto imperdível sobre campos de futebol na Sicília
Falar de estádios míticos em Portugal e não referir a Tapadinha é quase um sacrilégio. Apesar de estar sinalizado há muito tempo no meu mapa de campos a visitar, foram precisos mais de 7 anos de Futebol de Tostões para finalmente ir a Lisboa conhecê-lo.
As expectativas foram superadas e perdi a conta à quantidade de elementos visuais e arquitectónicos que remetem para uma estética muito própria dos campos de futebol mais antigos e que já não esperava encontrar tão intocada numa cidade grande como Lisboa.
Na verdade, a Tapadinha não é caso único na capital. Visitei mais alguns campos de clubes históricos da cidade e fiquei fascinada com a forma como têm sido capazes de conservar os seus recintos e, mais do que isso, manter vivo o espírito do associativismo desportivo e cultural. Para quem gosta de futebol e da sua história, é um privilégio poder testemunhar esta dinâmica de muitas associações e clubes mais antigos e perceber que continuam a ter um papel tão importante e activo nas comunidades onde se inserem.
A história da Tapadinha
Voltemos à Tapadinha. Corria o ano de 1925 quando o Carcavelinhos Football Club se depara com um problema: o Sport Lisboa e Benfica, por força do seu crescimento, deixa de ceder o seu campo, levando a direcção do Carcavelinhos a avançar com a construção de um campo próprio, em Alcântara.
António Faustino encarrega-se da concepção, enquanto Sousa Lino (Presidente do clube) e Rodrigues Graça (secretário da Direcção) orientam os trabalhos de construção, que ficaram a cargo dos atletas e dos adeptos do clube.
O Campo da Tapadinha é inaugurado em Junho de 1926, num evento que incluiu três jogos de futebol, uma estafeta de atletismo e uma cerimónia de inauguração oficial, cuja descrição merece ser partilhada: “Trocaram-se afectuosos discursos entre os dirigentes do Carcavelinhos e do Sporting, soltaram-se pombos correio, e finalmente, ouviram-se morteiros atirados por sócios do Carcavelinhos, a exteriorizar o seu enorme contentamento.”1
Em 1945, a Tapadinha passa a dispor de campo relvado e é palco de obras de ampliação, incluindo um acréscimo de dez degraus na bancada geral e nas bancadas dos sócios. A inauguração acontece em Setembro, com um particular entre o Atlético e o Sporting, que acabou por ganhar a partida por 6-0.
O Carcavelinhos, o União e o Atlético
Mas recuemos três anos para contextualizar o aparecimento do Atlético nesta história. Em Setembro de 1942, o Carcavelinhos funde-se com o União Foot-ball Lisboa, que jogava no Campo de Santo Amaro (entretanto extinto).
Desta fusão nasce o Atlético Clube de Portugal, que “num Portugal cinzento e dominado pelos clubes de sempre, foi uma lufada de ar fresco e sempre incómodo para os chamados ‘grandes’."2

A estreia do Atlético teve lugar contra o Sport Lisboa e Benfica, na época de 1942/43, numa Tapadinha ainda com campo pelado e bancadas em madeira.
Nas décadas seguintes, o Atlético foi consolidando o seu papel nos planos desportivo e cultural. Para além de várias condecorações, com destaque para o grau de Oficial da Ordem Militar de Cristo e o estatuto de Instituição de Utilidade Pública, o clube conquistou taças de Portugal em diversas modalidades, nomeadamente no basquetebol e no voleibol feminino. Quanto ao futebol, o Atlético chegou à final da Taça de Portugal em 1945/46 e em 1948/49 e conquistou por três vezes o Campeonato Nacional da 2.ª Divisão de Futebol (1944/45, 1958/59 e 1967/68).
Germano de Figueiredo
Falar na história da Tapadinha e do Atlético é um exercício que ficaria incompleto se não prestássemos a devida homenagem a uma das suas principais figuras: Germano de Figueiredo.
Natural de Alcântara, Germano ingressou nos infantis do Atlético em 1947, na posição de guarda-redes, e estreou-se na equipa principal quatro anos depois. Chegou a ser avançado, mas foi como defesa central que se fixou e brilhou.
Figura incontornável do clube, foi fundamental na conquista do Campeonato Nacional da 2.ª Divisão, em 1958/59, numa época em que marcou 12 golos. Germano vestiu a camisola do Atlético durante treze anos, tendo sido nesse período que foi chamado à Selecção Nacional, da qual foi capitão. Em 1960 foi transferido para o Sport Lisboa e Benfica, onde se notabilizou e foi bi-campeão Europeu. Foi também um dos Magriços que representou Portugal no Mundial de 66.

Futebol de Tostões na Tapadinha
No dia 10 de Novembro as portas da Tapadinha abriram-se e foi a ocasião perfeita para conhecer o estádio e toda a dinâmica que acontece por lá em dia de jogo. À entrada, as conversas animadas, os petiscos a sair da grelha e as cores do Atlético por todo o lado são um indicador claro que ali o Domingo será de bola.
Se este ambiente já era razão suficiente para ir à Tapadinha, o estádio em si multiplica qualquer argumento por mil. O recinto tem vindo a ser alvo de obras de reabilitação e o trabalho feito até ao momento é excepcional, demonstrando um enorme respeito por cada recanto e uma vontade de preservar todos os detalhes que fazem deste sítio um lugar único.
Destaque para uma das entradas do estádio, fechada há mais de 50 anos, que acaba de ser renovada, mantendo o desenho original: caiada de branco, com os portões pintados de azul e a enorme inscrição “Atlético Clube de Portugal - Estádio da Tapadinha”, ladeada pelas cores do clube, como que a abraçar quem chega.
Voltando ao jogo, o Atlético defrontou a União Desportiva de Santarém, numa partida que acabou com a vitória da equipa da casa por uma bola a zero, com um golo de Elias Franco. O clima era de festa e os adeptos, vestidos a rigor com as cores do Atlético, apoiaram a equipa durante todo o jogo, gritando pelo nome do clube e entoando cânticos a plenos pulmões. Dos mais velhos aos mais novos, todos unidos em torno do seu clube do coração. Ficam algumas imagens:












Um agradecimento especial ao Atlético Clube de Portugal pelo convite que me endereçou para conhecer a sua casa e assistir a este jogo.
Vale (muito) a pena seguir
Stadi di Sicilia
O Stadi di Sicilia é um dos meus projectos visuais preferidos sobre campos de futebol. Umberto Coa traz-nos imagens simples e despretensiosas, mas ao mesmo tempo de uma riqueza impressionante. Para além do fotógrafo, o Stadi di Sicilia conta com o contributo do jornalista Massimiliano Macaluso, que documentou a realidade social e cultural da Sicília, mapeando os pequenos campos de futebol da ilha. E é precisamente este lado documental, muito influenciado pela Antropologia e pela Sociologia, que torna este projecto único e que nos mostra um lado do futebol que vai muito para além das quatro linhas.



Fonte: Atlético Clube de Portugal, Estádio da Tapadinha.
Fonte: Atlético Clube de Portugal, História do Atlético.
Clube e estádio especiais.