#3 Os nerazzurri que foram rossoneri
A incrível história (inspirada em Itália) de dois clubes portugueses da distrital do Porto, a minha ida a um dérbi peculiar e um projecto que nos traz as melhores memórias do futebol popular
A Divisão de Honra da Associação de Futebol do Porto reúne dois protagonistas com uma história que merece ser (re)contada e que está intimamente ligada ao campeonato… italiano.
Corria o ano de 1971 quando um grupo de amigos da Maia decidiu criar um clube de futebol em homenagem ao colossal Inter de Milão. O grupo juntava-se todas as semanas para ver a bola num café local e foi numa dessas reuniões que surgiu a ideia de formar um novo clube. Nascia assim o Inter Milheirós Futebol Clube, com o seu emblema e equipamento pintados a vermelho e preto.
Vermelho e preto? Os aficcionados do futebol que não conhecem a história do Inter Milheirós estarão a interrogar-se se não me enganei nas cores. Acontece que, na altura, as transmissões televisivas ainda eram a preto e branco, o que induziu em erro os fundadores do Inter Milheirós, que assumiram que o equipamento do Inter de Milão era vermelho e preto - precisamente as cores do AC Milan.
As riscas vermelhas e pretas acompanharam a equipa durante muitos anos, até que, em 2005, por deliberação da assembleia geral do clube, as cores foram mudadas e o vermelho deu lugar ao azul.
Mas esta história não acaba aqui. Em 2016, uma cisão dentro do Inter Milheirós, motivada por visões diferentes para o projecto do clube, fez com que vários membros abandonassem a equipa e decidissem fundar um novo emblema na freguesia: o Associação Clube Milheirós. Como não poderia deixar de ser, o AC Milheirós inspirou-se fortemente no AC Milan e adoptou o vermelho e preto como cores do clube:
Rendida a esta história, fui assistir a este dérbi no passado Domingo, dia 20 de Outubro. Como o AC Milheirós não tem campo próprio, o jogo foi disputado na freguesia vizinha de São Pedro Fins. Cheguei ao recinto com uma hora de antecedência para garantir que não perdia pitada dos momentos que iriam anteceder a partida, mas os portões só se abriram 20 minutos antes do apito inicial, muito por pressão de alguns adeptos que já questionavam se iria haver jogo. Um deles falava na possibilidade de um adiamento por se tratar de um “jogo de risco” e por não existirem polícias em número suficiente, embora manifestasse alguma incompreensão face a esta classificação porque, segundo o próprio, só numa ocasião é que se verificaram desacatos (e “até foi entre os jogadores”, dizia). A abertura dos portões veio dissipar as dúvidas, altura em que também se percebeu que o policiamento estava mais do que assegurado, com a presença de seis elementos da GNR no palco de todas as emoções.
Dada a rivalidade entre os dois clubes, estava na expectativa de ver as bancadas cheias. O certo é que estavam apenas algumas pessoas a assistir e as bancadas, essas, nem sequer existiam. O público dispersou-se entre a esplanada do bar (com vista privilegiada para o recinto do jogo) e a lateral do campo, com uma grade a separar os adeptos dos dois clubes.
Apesar da fraca assistência e da ausência de faixas e megafones, ninguém arredou pé durante os 90 minutos e lá se foram ouvindo aplausos, palavras de incentivo e tácticas, sobretudo do lado dos da “casa”. Entre os adeptos do Inter contava-se um senhor que, por duas ou três vezes, entoou um cântico de apoio à equipa.
O Inter entrou mais forte e chegou mesmo a adiantar-se no marcador aos 22 minutos, com um golo de Gustavo Maia. A primeira parte ficou marcada pela superioridade dos visitantes, mas o AC Milheirós não se deixou intimidar, tendo quase chegado ao empate num remate que acabou por bater na trave da baliza defendida por Gonçalo Costa. O intervalo foi bom para o clube da “casa”, que entrou na segunda metade da partida com sede de golo. O empate surgiu aos 75 minutos, com um golo de Tavares na própria baliza. Até ao apito final, as duas equipas tentaram chegar ao golo, mas o marcador manteve-se inalterado.
Os dois emblemas voltam a medir forças em Fevereiro, desta vez no campo do Inter Milheirós.



Vale (muito) a pena seguir
Domingo de Bola
A página Domingo de Bola, da autoria do João Silva, é feita de verdadeiras lições sobre a história do futebol, sobretudo no que toca a associações desportivas e futebol popular. Para além de fotos que vai tirando a campos da bola, o João oferece-nos imagens de arquivo que nos transportam para o passado do futebol não apenas em Portugal, mas um pouco por toda a Europa.
O João doutorou-se em História, pelo ICS, com uma tese intitulada “Futebol, trabalho e associativismo nos bairros operários de Lisboa: as origens do Oriental (1911-1946)”. Nela reflecte sobre o desenvolvimento urbano da zona oriental de Lisboa e o papel que as associações desportivas tiveram no processo de adaptação dos fluxos populacionais que então chegaram à cidade. Partindo da ideia de que os clubes de futebol das zonas operárias se assumiam como “uma importante base para formação de sociabilidades e reforço de identidades sociais”, o João debruça-se com particular atenção sobre a história dos três clubes que estão na origem de um dos emblemas históricos do futebol nacional: o Oriental.
Podem seguir o trabalho do João no Instagram, na página @domingodebola. A sua tese estará disponível em breve no repositório da Universidade de Lisboa. Para ler e reler.
